sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

SERRA PELADA S/A

(ANÁLISE SOBRE A FORMA EM QUE AS EMPRESAS LIDAM COM SEUS FUNCIONÁRIOS, ONDE OS PROCESSOS SÃO SEMPRE COLOCADOS A FRENTE DAS PESSOAS. JANEIRO/2010)

Na década de 80, na corrida pelo ouro, uma população de 29 mil pessoas se pisoteavam e comiam até calango na Serra Pelada em Curionópolis/Pará. Porém, entre a lama e o sol escaldante, somente 5% do produto ficavam com eles. O restante ia para as mãos dos poucos patrões que existiam. Por esta micharia homens e mulheres abandonaram tudo, mas talvez a sua maior perda tenha sido a do próprio orgulho.


Passados mais de 30 anos nós ainda temos muitas outras "Serras Peladas" por ai. Agora são mais modernas, têm ar-condicionado, telefones, acessos à internet e uma hierarquia rígida, moldada cuidadosamente por um termo descrito no crachá. Com o tempo, numa visão quase altruísta, as pessoas passaram a chamá-la simplesmente por "empresa". E nessa versão corporativa, cercada muitas vezes por divisórias acolchoadas, o fruto do nosso trabalho também pode acabar sendo a poluição do meio, o desmatamento de idéias e a erosão irreparável das nossas vidas.

Claro que algumas corporações são exemplos de respeito e valorização do trabalhador, a utopia sem dúvida é o Google. Mas a maior parte insiste em desconsiderar as opiniões de subalternos. A coisa é tão simples, bastava apenas ouvi-los. Porém as gestões acabam por sair por ai cavando, sem critério, quando são os garimpeiros que sabem onde está o verdadeiro ouro. Geralmente nos lugares mais simples, menos dolosos para o bolso da própria empresa.

Nessa nova Serra Pelada o trabalhador também come calango, pra falar a verdade o termo correto é “engolir sapo”. Essa é a forma que os capatazes, escolhidos a dedo, encontraram pra demonstrar poder e manter a ordem na selva. Os maiores benefícios que estas empresas dispõem também são destinados a esses funcionários privilegiados: cadeiras mais confortáveis, treinamento com o chicote módulo advance, curso de idiomas (exceto o bom e velho português) e estacionamento gratuito pertinho da jazida. E depois que o trabalhador cava o buraco, peneira por dias e dias e acha uma pepita gigante, também é o capataz que ganha o  mérito junto ao dono da boca.

Na luta pelo ouro muitas vezes os próprios garimpeiros acabam se atracando no meio da lama. Se agridem, se machucam e tampam o sol do colega com a peneira. Mas, salvo essas raras e idiotas exceções que insistem em manter a política da mal vizinhança, geralmente eles conseguem manter um respeito mútuo. Criaram até uma rádio, a "rádio corredor" (todo patrão deveria ouvir).

Abro um parágrafo pra dizer que nos moldes atuais os trabalhadores também ganharam uma vantagem. Sim. Eles podem retornar diariamente às suas casas. Porém, depois de 1 hora e meia num ônibus lotado dificilmente os seus filhos os reconhecerão, dificilmente poderão ser eles mesmos. No caminho certamente deixaram sonhos, auto-estimas, sorrisos, respingos de lamas e, por vezes, de lágrimas.

Depois de um mês garimpando, estressado, humilhado, e com uma baita dor na coluna, sabe o que esse garimpeiro hi-tech recebe como recompensa?
Algo tão insignificante para a sua vida quanto o que seu capataz fez enquanto você leu esse texto: dinheiro.
Autor: Lange Pinheiro
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6 comentários:

  1. ótimo Lange,

    O pior é que sabemos que somos humilhados e com o trabalho desvalorizado, salvo algumas empresas onde o primeiro mundo PENSANTE chegou. De qualquer modo, sabendo tudo disso, ainda nos submetemos a essa selva, para não sermos engolidos.

    Abraços!
    Fernando

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  2. Lange. Esse texto tem muito do que acontece aqui na minha empresa, de desenvolvimento. Apesar do aparente conforto da tecnologia, muitas vezes eu me sinto um escravo das rotinas, dos processos, da informacão.

    (risos) Justamente por isso não posso assinar este e-mail. grande abraço. J.T.S.

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  3. É MEU AMIGO SABEMOS DE TUDO ISSO MAS INFELIZMENTE PRECISAMOS DA M.. DO DINHEIRO PARA VIVER NESSA SOCIEDADE, POR ISSO NÃO DEVEMOS ABRIR MÃO DA VALVULA DE ESCAPE POIS REINICIAMOS A CADA VEZ QUE USAMOS.
    ABS.

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  4. E ai meu camarada. Quanto tempo nao te vejo e fui te encontrar logo aqui eim - Confesso que pensei que vc tinha exagerado no final, meu salário não é `insignificante`... Depois pensei friamente, pelo tamenho do estress que eu passo, ele é mesmo uma MEEEEEERDAAAA!

    Acertou de novo. Parabens!

    Se cuida hein... qualquer dia vou na sua casa em BH, é só me chamar.
    Erlon

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  5. Oi Lange,
    Já te falei que vc tá perdendo tempo, vc é um artista cara. Lindos os textos, me emocionaram.
    Te add como favorito, agora estarei lendo seus textos sempre.

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  6. Rapaz. Como é bom ler um texto assim: atual, polêmico e muito, muito inteligente. Certamente você vivencia tudo isso na pele. Vou passar a ler sempre seu blog. Parabéns!
    Antônio Villa.
    (antonio.rvilla@gmail.com)

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